Mapeando os modelos emergentes de comércio agêntico
Em quem os consumidores confiam para cuidar de seus dados?

Esta série de Insights explora o comércio agêntico — uma transformação profunda em que agentes de IA assumem o protagonismo nas compras, pagamentos e decisões dos clientes.
À medida que a IA generativa e os agentes autônomos evoluem, começamos a enxergar os contornos de um novo tipo de comércio — um modelo que não depende da interação do usuário em cada etapa.
O comércio agêntico promete mudar a forma como os consumidores descobrem, avaliam e, por fim, pagam por produtos e serviços. Mas esse campo ainda está em estágio inicial: a inovação acontece de forma não uniforme em diferentes áreas, o que facilita a confusão sobre definições.
Para ajudar a trazer mais clareza, vamos apresentar os seis modelos distintos de comércio agêntico que estão começando a surgir, com foco especial em como os pagamentos se conectam a cada um deles.
Modelo 1: Assistentes em ecossistemas fechados
Comércio conversacional: assistentes de compras implantados dentro do ambiente de um único comerciante (ou plataforma).
Embora o termo “comércio conversacional” exista desde 2015, os avanços recentes em IA generativa (GenAI) aumentaram significativamente a utilidade desses assistentes como ferramentas de compra.
Esse conceito — exemplificado por soluções como a Alexa da Amazon e o Sparky do Walmart — continua sendo uma área de foco para comerciantes e plataformas, pois ajuda a simplificar a experiência ao guiar os consumidores pelos fluxos de descoberta e compra, a partir da expressão de sua intenção em linguagem natural.
Como tanto o assistente quanto a implementação de pagamento no backend são controlados pela mesma entidade, essas jornadas são facilmente viabilizadas por componentes já bem estabelecidos, como links de pagamento, checkouts embutidos e credenciais armazenadas.
Embora esse modelo não envolva propriamente agentes autônomos, esses assistentes fornecem informações contextualmente relevantes e facilitam transações. O que eles não fazem é tomar decisões de forma independente ou executar pagamentos de maneira autônoma.
Uma extensão natural desse modelo envolve o uso de arquitetura headless para incorporar ecossistemas fechados específicos em interfaces de terceiros. Já começamos a ver plataformas como o Shopify avançarem nesse sentido com o lançamento recente do servidor Catalog MCP, que permite que desenvolvedores de agentes criem experiências nativas de descoberta e checkout em toda a base de comerciantes do Shopify.
O futuro desse modelo depende da preferência do consumidor. O que será mais valorizado: variedade ou conveniência? Em ambientes específicos de fornecedores, a busca tradicional com filtros pode superar a experiência conversacional em muitos contextos. E no cenário headless, ou seja, sem interface gráfica, o modelo introduz novas camadas de fragmentação, confinando os consumidores a um mosaico de marketplaces sobrepostos - o que vai na contramão da filosofia aberta defendida por muitas empresas de IA.
Modelo 2: Assistentes com links de afiliados
Assistentes de uso geral: ferramentas de IA e modelos de linguagem de grande escala (LLMs) atuando como consultores de compras, que recomendam e direcionam para produtos disponíveis na web aberta.
Chatbots multimodais, como o ChatGPT, têm a capacidade de apresentar recomendações de produtos de fontes terceiras e direcionar os usuários para sites de comerciantes por meio de links de afiliados. Em muitos aspectos, eles funcionam como motores de busca aprimorados, aproveitando a IA generativa para analisar opções na web aberta e oferecer sugestões personalizadas.
Assistentes de IA que operam nesse modelo são especialmente úteis para compras complexas e de alto envolvimento (como eletrônicos), em que os usuários desejam comparar marcas ou modelos. No entanto, atualmente, eles costumam falhar em áreas onde há escassez de dados autênticos ou detalhados sobre produtos, ou onde o viés em favor de comerciantes bem indexados distorce os resultados.
Como esses assistentes não realizam transações diretamente, os pagamentos são concluídos por meio dos checkouts dos próprios comerciantes. Tecnologias de permalink (como as do Shopify) podem preencher automaticamente os carrinhos para reduzir atrito, mas redirecionar usuários entre interfaces como essas frequentemente leva à desistência da compra.
Isso é especialmente problemático considerando o quão sensíveis à conversão são os modelos de afiliados. De fato, uma pesquisa da Adobe indica que o tráfego proveniente de fontes de IA generativa tem 9% menos chance de conversão em comparação com outras fontes de tráfego.
Modelo 3: Agentes com Números de Conta Primários (PANs)
Agentes semi-autônomos: o agente de IA conduz o processo, mas o cliente precisa intervir.
Neste modelo, um agente de IA - mais especificamente um agente de navegador como o OpenAI Operator ou o ChatGPT Agent - pode navegar por toda a experiência de compra em nome do usuário.
Ele pode pesquisar produtos usando navegadores sem interface gráfica, fazer comparações e até adicionar itens ao carrinho sem que o usuário precise fazer nada.
No entanto, esse modelo tem uma limitação significativa: sempre que o agente de IA encontra uma medida de segurança (como login, CAPTCHA ou pagamento), ele precisa devolver o controle ao usuário antes de continuar.
O resultado pode ser uma experiência de compra frustrante para o consumidor, já que, mesmo após abrir mão do controle sobre a escolha dos produtos, ele ainda precisa estar presente para ajudar o agente a concluir a compra.
E mesmo assim, o sucesso não é garantido: cada vez mais vemos plataformas de comércio eletrônico (como Shopify e Amazon) bloqueando esse tipo de tráfego de bots por preocupações com fraude e segurança.
Modelo 4: Agentes como Comerciantes de Registro (MOR)
Compra em etapas: você paga ao agente; o agente paga ao comerciante.
Neste modelo mais integrado verticalmente, o desenvolvedor do agente atua como o Comerciante de Registro (do inglês Merchant of Record). O Perplexity Shop é um exemplo desse fluxo, que pode ser entendido como uma versão de dropshipping aprimorada por IA: o agente recebe o pagamento do usuário, faz o pedido ao comerciante final e envia diretamente ao consumidor, sem precisar gerenciar estoque ou logística de entrega.
Embora o desenvolvedor do agente possa ter relações diretas com alguns varejistas para otimizar termos comerciais, ele pode sair desse silo fechado utilizando tecnologias de emissão de cartões virtuais. Cartões de uso único podem ser gerados e financiados instantaneamente, com controles de gastos definidos, e usados para finalizar compras com comerciantes com os quais o agente não tem relação direta (por meio de um parceiro de fulfillment).
Esse arranjo, no entanto, costuma gerar mais problemas do que soluções. Para o consumidor, as transações aparecem no extrato bancário como pagamentos feitos à plataforma de IA, o que pode causar confusão na hora de conciliar as compras.
Em casos de fraude ou insatisfação, o consumidor pode ter dificuldade para identificar quem é o responsável - o agente, o comerciante ou o parceiro de fulfillment - complicando o processo de resolução. Mecanismos tradicionais de contestação (chargeback) podem não se aplicar de forma clara, e os canais de atendimento ao cliente podem ser fragmentados ou mal definidos. Essa falta de transparência prejudica a confiança e pode desestimular o uso recorrente, especialmente em compras de alto valor ou sensíveis.
Para os comerciantes, um mesmo cliente pode acabar pagando com um “cartão” diferente a cada nova compra, dificultando os processos de conciliação e os programas de fidelidade ou personalização.
Por fim, para o desenvolvedor do agente, esse modelo exige uma operação intensa e envolve riscos operacionais e financeiros significativos - especialmente se ele precisar antecipar o custo das compras - o que dificulta a escalabilidade.
Na prática, as empresas que estão adotando esse modelo hoje provavelmente o fazem com fins experimentais - testando e aprendendo com a experiência do usuário final para se preparar para o próximo modelo da série.
Modelo 5: Agentes com tokens
Agentes de IA confiáveis: credenciais tokenizadas permitem que os agentes realizem pagamentos com segurança em nome do usuário.
Ainda não há um exemplo real desse modelo — por enquanto. Mas ele certamente está no horizonte.
Quando esse modelo se concretizar, os agentes terão a capacidade de realizar pagamentos em nome dos consumidores (sob autoridade delegada), utilizando uma versão tokenizada e autenticada das credenciais do usuário. Esses tokens podem ser gerados por redes como Visa, Mastercard ou Google e inseridos diretamente no ambiente de checkout do comerciante final, ou por processadores terceirizados (como a Worldpay), sendo destokenizados antes da inserção por meio de um proxy seguro.
Num futuro próximo, os agentes podem navegar por formulários de checkout tradicionais voltados para humanos, mas esse processo é propenso a erros e enfrenta os mesmos obstáculos de bloqueio de bots que o Modelo 3. Uma implementação mais estável envolveria agentes interagindo diretamente com interfaces compatíveis com agentes — como servidores MCP operados por comerciantes.
Em muitos aspectos, esse fluxo é semelhante às carteiras digitais pass-through, ou de passagem, existentes (como o Apple Pay). O comerciante continua sendo o responsável pela transação (Merchant of Record), e o agente apenas facilita o uso seguro e compatível das credenciais. Dessa forma, os problemas de experiência do usuário presentes no Modelo 4 são amplamente evitados, e os agentes se protegem da maior parte dos riscos envolvidos.
Mas “apenas” facilitar não significa que seja simples - há diversos desafios a serem resolvidos, como prevenção de fraudes, verificação de identidade, intenção do consumidor, regras de contestação (chargeback), responsabilidade, registro de comerciantes, fidelização e exposição de marca. Ainda assim, os tokens oferecem o caminho mais viável para um comércio agêntico seguro e escalável em ecossistemas abertos.
Saiba mais sobre como a Worldpay está se preparando para um futuro em que agentes usarão tokens para realizar transações pela internet.
Modelo 6: Agentes com carteiras de stablecoins
Agentes totalmente autônomos: comprando em seu nome com stablecoins.
Este é o modelo mais especulativo e voltado para o futuro: um agente de IA que entende as preferências do usuário, identifica necessidades, avalia opções e inicia pagamentos – tudo isso sem intervenção direta do usuário.
Ao aproveitar a infraestrutura de stablecoins, esse modelo pode, teoricamente, eliminar a necessidade de autorização explícita do usuário para pagamentos. Compras realizadas em trilhas de blockchain podem incorporar lógica programável via contratos inteligentes, mantendo um rastro de auditoria robusto durante todo o ciclo de vida da transação. Isso pode abrir caminho para que o “checkout” seja completamente abstraído, permitindo que os agentes operem livremente dentro de parâmetros definidos pelo usuário.
Experimentos iniciais no mundo real incluem a API de Pagamentos via Bot do Telegram e o Blormmy integrado ao X, mas ainda não vimos aplicações mainstream desse modelo – e pode levar algum tempo até que isso aconteça.
Embora a tecnologia de registros distribuídos (DLT) e os contratos inteligentes ofereçam uma estrutura atraente para pagamentos programáveis e auditáveis, eles não são o único caminho possível. Trilhas de pagamento tradicionais,4 combinadas com credenciais tokenizadas e regras dinâmicas de autorização, podem simular o comportamento de contratos inteligentes. Essas abordagens podem não ser descentralizadas, mas se beneficiam de maior adoção e clareza regulatória, tornando-se alternativas viáveis dependendo das necessidades do ecossistema.
O desafio fundamental é que quase nenhum consumidor quer pagar com stablecoins, e tão poucos comerciantes aceitam stablecoins como forma de pagamento ou liquidação. Embora muitos participantes do ecossistema estejam pressionando por mudanças nesse sentido, por ora, essas lacunas precisam ser preenchidas por procedimentos complexos de entrada e saída (on- e off-ramping) e soluções alternativas, cujos custos podem anular qualquer valor gerado.
Cartões e outros métodos de pagamento estão tão profundamente enraizados na psique humana que será necessário um esforço hercúleo para promover uma mudança global para o dinheiro programável. E se conseguirmos chegar perto disso com cartões e tokens, isso pode acabar sendo “bom o suficiente” para o ecossistema.
Considerações finais
O comércio agêntico está passando do conceito para a realidade.
Mas o caminho até o “estado final” não seguirá um padrão previsível e linear. Modelos diferentes se adequarão a setores distintos, níveis variados de confiança do usuário e graus diversos de prontidão dos comerciantes. Alguns serão etapas intermediárias; outros podem se tornar o padrão ouro.
Nosso papel na Worldpay é apoiar essa evolução, independentemente de onde ela leve, viabilizando pagamentos seguros, flexíveis e inteligentes – não importa como o consumidor (ou o agente) queira pagar.
Anteriormente nesta série:
Parte 3: Fraude no comércio agêntico – Como proteger sua loja online
Na era do e-commerce conduzido por agentes, como podemos identificar e bloquear agentes de IA maliciosos, garantindo ao mesmo tempo que continuamos atraentes para os agentes de IA confiáveis? (Parte 3 de 10)
Próximo capítulo:
Parte 5: O que está impedindo o comércio agêntico?
Apesar do entusiasmo, o comércio agêntico enfrenta obstáculos de adoção vindos de todos os lados: consumidores, reguladores e sistemas legados.
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